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Para que serve o poema

Por José Aerton, para a coluna Por Linhas Tortas, 22/11/2021




Não é raro ouvir alguém dizer que os poemas não servem para nada. Quando não se verbaliza, é possível sentir no semblante – em especial de alunos – que estão pensando exatamente assim sobre a inutilidade dessas obras literárias. Tudo perdoado em se tratando de uma sociedade que supervaloriza o audiovisual em detrimento da leitura. Não é à toa que poetas inicialmente audiovisuais como Bráulio Bessa fazem tanto sucesso, antes de venderem seus livros físicos desbravaram, conquistaram leitores a partir de declamações muito bem interpretadas na tevê. Então, é possível alguém acreditar que os poemas sejam mesmo algo sem função social, principalmente quando o leitor não se vê nele representado. Aquilo que não nos representa causa estranheza, gera pouca atenção, mesmo desprezo. Se não somos representados e não compreendemos bem a linguagem usada, como é o caso de muitas dessas obras, maior será ainda o distanciamento.

Na direção desse pensamento, o Acadêmico Ferreira Gullar escreveu o poema “Não há vagas” em crítica velada ao pouco engajamento da poesia de sua época quanto aos problemas sociais vivenciados em seu tempo. Na obra se lê “O preço do feijão/ não cabe no poema. O preço/ do arroz/ não cabe no poema./ Não cabem no poema o gás/ a luz o telefone”.

Percebe-se aí o elenco de vários fatores que tensionam diretamente o acesso à alimentação e qualidade de vida dos mais pobres. Aborda ainda a questão salarial e a exploração da mão de obra do trabalhador. O engajamento social continua e as críticas também, que tanto se estendem para a inércia da produção poética frente aos problemas da sociedade brasileira quanto se configura como instrumento de denúncia da existência deles. Em plena metalinguagem o poema levanta a bandeira do social e mostra como espera que seja o fazer poético, repleto – além do lirismo – de reflexões que representem a sociedade e seus cidadãos.

Os últimos três versos deixam bem clara toda a indignação “O poema senhores, não fede nem cheira”.

É exatamente esse o ponto, se o poema assim se apresenta então seus leitores lhes dão pouca importância – voltamos ao ponto da não representatividade. Gullar diz que “o poema está fechado”, está mas não precisa continuar. Há vagas sim no fazer poético para todo tipo de manifestação da alma, dos sentimentos mais nobres e os outros também. Em tempos tenebrosos de tanta perseguição, de tanto retrocesso diante das diferenças, estar a poesia engajada, levantando bandeiras, sendo uma voz intelectual contra a opressão das minorias e todos os outros problemas que o cidadão comum enfrenta, é um refrigério para a acidez ora presente. A poesia não tem que ser engajada, ela pode ser. Ela pode exercer também esse papel, urge que o seja. Nela há vagas sim, nela cabe a mulher de nuvens e o homem sem estômago de que falou o poeta, mas também cabe tudo o que quisermos colocar, todas as bandeiras que quisermos levantar e as camisas que desejarmos vestir. Que o poema seja útil sempre, que represente os amantes da arte da palavra bem trabalhada, os apaixonados, os sensíveis, as minorias e os miseráveis também.


 

José Aerton é pernambucano, tem 49 anos e mora em Cabo Frio no Rio de Janeiro. Marido, pai e avô. Pós-graduado em Letras, atua como professor de língua portuguesa e italiana. Tem três livros publicados, dois deles de redação para o Enem e um de poesias e crônicas, segue inspirado e apaixonado pela arte da escrita. Como alimento para essa paixão, mantém a conta @joseaerton no Instagram.



 

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3 comentários

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Janaína Lourenço
Janaína Lourenço
28 de ago.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Sempre certeiro!

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Nicole Gonçalves
Nicole Gonçalves
22 de nov. de 2021

Simplesmente fenomenal! Extremamente necessário. Parabéns! <3

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Janaína Lourenço
Janaína Lourenço
22 de nov. de 2021
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Que texto necessário! Parabéns, professor. Gratidão! 💚

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