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Regionalismo para o mundo

Por Victor Garcia, para a coluna Textos Sinceros - 13/08/2021




Algo que sempre me encantou no processo de criação, o qual me concentrei para fazê-lo na forma escrita, são as inúmeras possibilidades proporcionadas de realizá-la. Seja pela forma, conteúdo, estética e outros possíveis atributos.

Quanto menor o número de regras se coloca para a criação, mais saudável é seu processo. No entanto, faço um parêntese para não correr o risco de ser mal interpretado. Quando me refiro às regras, não incluo regras gramaticais e de concordância, por exemplo, essas, precisam ser estabelecidas, e quebradas apenas em situações especificas, justificadas dentro de uma proposta narrativa.

No entanto, há normas impostas ou propagadas por pessoas e grupos que não contribuem para o processo criativo. Como, por exemplo, estabelecer que um vampiro precisa ter determinada característica que não pode ser modificada, ou determinado tema que não pode ser explorado. São correntes à criatividade.

Se as possibilidades me encantam, não sou eu quem irá podar as diversidades criativas, no entanto, no meu processo de amadurecimento como escritor, fui desenvolvendo alguns princípios, não como regras a serem seguidas, mas como guias, indicadores. Acho interessante explorar perspectivas, que sinto que muitas vezes não são notadas. Por isso, tomo liberdade para abranger a temática do regionalismo.

Não se trata de obras seguindo uma escola ou tendência, e sim referência de valorizar elementos locais. Simplesmente porque podem render histórias interessantes.

Atualmente, o mundo está globalizado, assim como o acesso a elementos culturais e obras literárias dos mais diferentes locais do mundo, e temos influências de alguns países. Estados Unidos, Inglaterra e Japão são exemplos de grande impacto nos brasileiros. O primeiro dispensa apresentações. A Inglaterra, até pelo idioma inglês, difunde suas produções com grande repercussão. Quem não tem interesse sobre a família real inglesa? O número de séries recentes, e produções ao longo da história exemplifica. A franquia Harry Potter é outro exemplo. Embora, com o tempo, incorpore elementos dos mais diferentes locais do mundo, toda a sua base está na Inglaterra. Obras que se passam em universos ficcionais ou paralelos também, mesmo que não de forma escancarada, possuem fortes elementos britânicos, por serem de escritores e roteiristas naturais do país, como "O Senhor dos Anéis", "As Crônicas de Nárnia" e "As crônicas de gelo e fogo", tendo sua icônica séria "Game Of Thrones".

O Japão influencia cada vez mais os brasileiros. Alguns de seus produtos podem até ter foco em público nichado, porém, cada vez mais presente. A gastronomia - embora no Brasil haja grande adaptação - se tornou muito popular na última década. As artes marciais, costumes, danças, a cultura dos ninjas e samurais, as gueixas, os elementos milenares. Os bonsais, origamis, e tantos outros aspectos. Os elementos de tecnologia avançada, e os animes e mangás cada vez mais inseridos, embora ainda para nichos.

Outros países causam impacto forte em parte dos brasileiros, o Canadá é bom exemplo. Basta analisar um percentual considerável de pessoas que têm interesse em conhecer e/ou morar no local. Mas há outros.

Não tenho nenhuma resistência à cultura e também à literatura e outros elementos desses países. Gosto muito da cultura japonesa, não tenho grandes restrições a elementos norte-americanos e britânicos, e inclusive sou fascinado por uma obra mexicana: Chaves (El Chavo del Ocho). Possuo interesse e curiosidade pelas mais diversas culturas, lendas dos mais diversos locais. Acho importante e me agradam elementos das mitologias pelo mundo, sejam as orientais, greco-romana, nórdica, celta, eslava, pré-colombiana, entre outras. Não defendo um fechamento cultural, até porque os autores e criadores mais nacionalistas também tinham influências estrangeiras. Ariano Suassuna, por exemplo, era leitor intenso e declaro de Shakespeare e Miguel de Cervantes. Elogiava músicos como Mozart e outros de nacionalidades europeias. O escritor tinha críticas a alguns aspectos do que chamava de "estrangeirismo", mas assumia várias influências. Até pela maneira como que o Brasil se tornou uma grande miscigenação, em algum momento, seus aspectos tendem a ter influências de outros locais do mundo, principalmente africana e europeia (além das indígenas, obviamente).

Não tenho problema com absorver ou apreciar as mais diferentes culturas, tampouco acho que devemos determinar que um escritor brasileiro tem obrigação de escrever histórias que se passam no Brasil ou no idioma português (por isso introduzi essa coluna dizendo da liberdade criativa). Contudo, criar a consciência de que olhar para elementos próximos da realidade, e como consequência aspectos do seu país, estado e município é interesse, e pode proporcionar perspectiva de mundo única e benéfica.

Existem muitas histórias bem desenvolvidas em território nacional e explorando nossos elementos. Contudo, nem sempre são difundidas ou valorizadas. Ninguém é obrigado a preferir obras nacionais à estrangeiras, contudo, deveria se olhar com mais carinho e boa vontade a essas.

Músicas, filmes, danças e demais produções têm ricos trabalhos pelo país. É possível que não encontre com qualidade ou com recursos ideais um estilo ou gênero de sua preferência, no entanto, há muita coisa que merece atenção e principalmente respeito. Algumas vezes se julga possuir qualidade inferior por não se conhecer ao todo.

Produções comerciais não necessariamente representam a cultura em geral que vem sendo produzida.

Tem muita gente lutando por reconhecimento e não encontra.

O Brasil não produz - por diversos motivos - filmes de alta qualidade em alguns gêneros, mas dizer que não há nada de bom na filmografia brasileira é desconhecer completamente o cenário ou não ter boa vontade e/ou critérios justos.

Quando um amigo me disse que nunca assiste a filmes nacionais, de nenhuma forma, sinceramente, achei uma das ideias mais estúpidas que ouvi durante a vida.

Temos uma dublagem elogiada e avaliada entre as melhores do mundo, mas há sempre um desprezo de grande parte do público e dos críticos para filmes dublados (embora o tema precise ser desenvolvido em um texto próprio, pois cabe uma discussão muito mais profunda).

Sempre defendo que temos elementos, lendas e criaturas muito interessantes em nosso folclore. O que falta muitas vezes são mais histórias as explorando. O problema também é que quando essas são feitas, não ganham a notoriedade, e é muito difícil encontrá-las, mesmo fazendo muitas pesquisas sobre o folclore nacional. Com um pouco de boa vontade, encontramos lendas tão interessantes quanto de outros locais do planeta, podendo ser base e/ou inspiração para obras tão profundas quanto as estrangeiras.

A verdade é que não conhecemos profundamente o que está ao nosso redor. Quanto, em geral, se conhece sobre a história da cidade onde nasceu ou se vive há muitos? Me incluo nesse grupo. Qual o conhecimento profundo sobre elementos, peculiaridades, personas interessantes de onde se vive? Quanto se sabe sobre a história da própria família? Qual o percentual de pessoas que sabem, ao menos, o nome de todos os seus bisavós?

A verdade é que não se olha os detalhes da própria grama, mas se admira a grama do vizinho, geralmente não enxergando os defeitos dessa.

O Brasil possui uma infinidade de elementos interessantes, para se produzir boas obras, literárias ou não. Qualquer gênero pode render boas premissas e bons enredos, e inclusive grandes trabalhos com críticas sociais.

País de tamanho continental, tendo alguns estados maiores do que muitos países europeus. É impossível não encontrar aspectos tão interessantes quanto os estrangeiros. Todo lugar, toda a cidade, região, bairro, pode proporcionar ou ser cenário de uma história interessante. E com aspectos únicos. Não importa se tratasse de um local populoso ou não. Desenvolvido ou não. Tendo ou não elementos turísticos. Qualquer ponto do Brasil pode ser o palco de uma grande obra. Talvez precisemos nos desenvolver como escritores, leitores e críticos, para saber explorar melhor o que temos à disposição.

Por isso também é preciso conhecer um pouco da história e das obras e da biografia de grandes escritores brasileiros, admirando-os ou não. Como Ariano Suassuna, Machado de Assis, Euclides da Cunha, Raquel de Queiroz, José de Alencar, Carolina Maria de Jesus, Maurício de Souza, Lima Barreto, Jorge de Lima, Clarisse Lispector, Cora Coralina, Guimarães Rosa, Érico Veríssimo, Jorge Amado, entre muitos outros.

 

Victor Fabrício dos Santos Garcia é natural de Ribeirão Preto/SP. Em 2019, tornou-se escritor colaborador do portal “Papisher” e publicou o livro digital na Amazon “O Luau do Silêncio”, uma coletânea de crônicas e versos. Em outubro de 2020, publicou, em parceria com a Editora Frutificando, o romance “Come-Fogo – O Maior Clássico”, uma história ficcional mergulhada no universo do esporte, com foco principal no clássico entre os dois clubes de futebol de sua cidade natal, Botafogo e Comercial. Dedica-se à literatura e cultura em geral, também com um projeto ligado à pesquisa genealógica e história familiar, chamado “Genealogia e Cidadania”, o qual tem um canal no YouTube homônimo.

 

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Janaína Lourenço
Janaína Lourenço
13 août 2021

Sensacional, Victor. Nosso país é tão rico de histórias, memórias, criatividade, ousadia e, infelizmente, tão desvalorizado por seu próprio povo. Como poderíamos e deveríamos nos explorar mais, né? Adorei a temática e abordagem tão necessária. Parabéns! Obrigada!😉

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